Grandes corporações internacionais e universidades no exterior dominam os pedidos de patente para produtos de plantas relacionadas à Amazônia, com origem das tecnologias principalmente na China e nos Estados Unidos, dentro de um movimento em franca expansão. Em quatro décadas, o número de registros cresceu globalmente 30 vezes, com destaque para insumos como cacau, mandioca e guaraná. O açaí, vedete regional com produção extrativista calculada pelo IBGE em R$ 820 milhões em 2021, ocupa o sexto lugar na lista de patentes para vegetais amazônicos depositadas no mundo.
O mapeamento, feito pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) mediante buscas em bancos de dados referentes a 59 plantas presentes na Amazônia, revela um cenário de desigualdade no acesso a tecnologias e, consequentemente, aos royalties gerados pelas inovações. “O Brasil não é o principal mercado mundial para bioprodutos amazônicos”, diz Irene von der Weid, chefe da divisão de estudos e projetos do Inpi, que identificou 43,4 mil patentes de inovações com a flora amazônica depositadas no mundo até 2022. China lidera, com 18.965 registros, seguida dos EUA, com 3.778.
Somente 9% dessas patentes são depositadas em outros países e, também, no Brasil – um dos mais biodiversos do mundo. “Os desenvolvedores de tecnologia no país ainda não entenderam que a proteção por patente é uma forma de proteger também a biodiversidade e garantir retorno de investimentos”, afirma Weid.
As patentes não garantem exclusividade para o uso das plantas em si, mas para invenções nos processos de beneficiamento, formulações finais e aplicações nas diversas finalidades. O estudo do INPI abrangeu 15 categorias, como a agricultura, onde as patentes se relacionam a tecnologias de plantio e colheita, incluindo ferramentas e máquinas agrícolas. No campo da biotecnologia, as patentes buscam inovações na composição de enzimas ou microrganismos, além de tecnologias de engenharia genética.
No caso do açaí, por exemplo, há patentes para produção de “tecido-não-tecido” (sem tecelagem) à base de fibras do fruto. Outra invenção abrange o “carvão ecológico” de matéria-prima vegetal. Na alimentação, as aplicações das patentes para o açaí vão da confeitaria a bebidas funcionais para diabéticos. Já o cacau é alvo de proteção intelectual não apenas para composição de chocolates com características especiais, como também para formulação de adoçantes funcionais. Há pedidos de patente para bebida obtida do mel de cacau e para uso da azitromicina, extraída desse fruto, na preparação de remédio para o tratamento de doenças anti-inflamatórias.
Nestlé, Fuji Oil, Basf e Unilever aparecem entre as empresas que mais demandam patentes nessa categoria, com domínio dos mercados de alimentos e medicamentos. A Nestlé também lidera quanto às patentes de plantas amazônicas depositadas no Brasil, à frente da brasileira Natura e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em nota, a Nestlé responde que a pesquisa abrange diferentes tecnologias e ingredientes, independentemente de sua origem, e que mantém colaborações para inovação aberta, com cumprimento das legislações locais.
No país, no caso de patentes que informam o acesso ao patrimônio genético da Amazônia junto ao órgão gestor, o CGen, há maior participação das instituições de pesquisa nacionais. A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) criou um portfólio de projetos para aumento das patentes. Até hoje, foram depositados quatro pedidos, como o ecopainel de caroço de açaí para construção civil. “Há cobranças da sociedade por maior aproximação entre academia e mercado, mas é grande a demora para concessão de patente no Brasil”, lamenta Antônio Mesquita, diretor-executivo da Agência de Inovação da UEA.
O Inpi informa que hoje o tempo médio de decisão para pedidos de patentes é de 6,1 anos – patentes verdes têm tramitação prioritária, com média de 8,9 meses. “Os pesquisadores olham mais para publicação em revista científica, currículo e acesso a bolsas do que para a valorização dos bioprodutos que acabam gerando renda lá fora”, reclama Gonzalo Enriquez, diretor da Agência de Inovação da Universidade Federal do Pará (UFPA). Dos 271 pedidos de patente depositados pela instituição em dez anos, 56% se referem à biodiversidade. “Mas até agora não recebemos um centavo de royalties”, diz o diretor. Na UPFA, segundo Enriquez, 85% dos alunos são de baixa renda. “Não podemos esquecer o tema da inclusão social quando se fala em patentes”, completa.
No caso da Natura, grande parte do acesso ao patrimônio genético pela companhia envolve conhecimento tradicional. Os cerca 90 contratos (80 na Amazônia) para repartição de benefícios de forma direta junto às comunidades detentoras do conhecimento já renderam R$ 85,5 milhões, ou 0,75% da receita líquida anual dos produtos, conforme a legislação.
“A biodiversidade brasileira é fonte inesgotável de inspiração e, devido a isso, é importante a proteção [como patente], com benefícios socioambientais”, avalia Roseli Mello, líder global de pesquisa e desenvolvimento da Natura. Segundo ela, as patentes criam um “círculo virtuoso” que melhora a qualidade de vida e mantém culturas locais. Mas há entraves. De acordo com ela, novas regras mais complexas publicadas neste ano dificultam o acesso direto às comunidades fornecedoras. “É urgente uma solução diante das oportunidades para o país na Amazônia”, diz.
Com R$ 7 milhões em caixa, o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) com repasses de empresas que preferem não apoiar diretamente detentores do conhecimento tradicional, estava inativo e agora é retomado com novos critérios para investimentos. “O foco é a redução de desigualdades”, diz Carina Pimenta, secretária nacional de bioeconomia do MMA.
O acesso ao patrimônio genético, segundo ela, é o eixo central do Plano Nacional de Bioeconomia em gestação no governo federal, prevendo mecanismos financeiros de incentivo. Nos últimos cinco anos, após o marco legal de 2015 que tornou o sistema mais ágil e seguro, foram registradas no CGen 73 mil atividades de pesquisa com geração de 16 mil contratos em repartição de benefícios. Na legislação anterior, de 2000 a 2015, foram 2,5 mil pesquisas e 250 contratos.
Pesquisas com flora são 45,5% dos acessos ao CGen, depois fauna (23,6%) e microrganismos (16%), sendo a Embrapa o maior cliente. A instituição se destaca em pedidos de patente para biofertilizantes e outros bioinoculantes da agricultura. Desde 2000, foram identificados 954 registros nessa categoria no Brasil, 18% via solicitantes nacionais. “Na Amazônia, a agregação de valor a produtos da biodiversidade é uma das tendências integradas ao nosso plano diretor de pesquisas”, diz Ana Euler, diretora de negócios da Embrapa.
Recuperação de áreas degradadas, geração de indicadores socioeconômicos e métricas para medir carbono estão no radar de prioridades. “A bioeconomia inclusiva é estratégica”, afirma Euler. Na Amazônia, a Embrapa tem 85 bioativos em desenvolvimento para formulação de produtos em parceria com empresas. Com nove unidades, 75 laboratórios e 377 pesquisadores na região, o desafio é repetir nos bioinsumos da floresta o sucesso das inovações no agronegócio e na silvicultura.
Texto adaptado do portal Valor Econômico.
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