“O desafio das nossas regiões, historicamente colonizadas no passado, é não permitir uma nova colonização: a tecnológica”, enfatizou Serge Letchimy, presidente do Conselho Regional da Martinica. Para ele, a posição da Amazônia deve ser de protagonista no desenvolvimento de inovação para o futuro. “O esgotamento da base energética atual, que é o petróleo, é algo inevitável. Além de ser ecologicamente danoso, o petróleo instituiu uma relação nociva entre as nações. Isso deve ser reinventado e nós precisamos estar à frente desse processo”, afirmou o presidente, durante a palestra “Biodiversidade e Desenvolvimento” realizada nesta quinta-feira (17), no auditório da Universitec. Na ocasião, foi anunciado um plano de parceria na pesquisa de tecnologia em biodiversidade entre as regiões.
O encontro, promovido pela Universidade Federal do Pará, por meio da Agência de Inovação Tecnológica da UFPA – Universitec, reuniu autoridades de secretarias do governo do estado, empresários, estudantes e pesquisadores. Para Letchimy, a parceria com o maior instituto de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia do Pará, a UFPA, é estratégica para economia da Martinica e da região Norte, áreas de grandes recursos naturais, sujeitas a desafios relacionados às mudanças ambientais e climáticas.
“Essa aproximação é essencial para buscar soluções por meio de políticas de inovação e de pesquisa que definirão as bases de uma nova engenharia do desenvolvimento econômico insular. Nós precisamos da experiência paraense em todas essas áreas de inovação. A biodiversidade, a bioquímica e as riquezas genéticas vegetais são áreas de pesquisa /criação que precisam ser exploradas juntas e numa mesma área geográfica, para uma melhor compreensão, proteção e valorização dos nossos recursos naturais, também sujeitos a pressões multinacionais para à sua acessibilidade e partilha”, analisa o presidente.
Para Gonzalo Enriquez, diretor da Universitec, o intercâmbio proporciona uma troca de experiências com o governo que possui um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da América do Sul. “A Martinica traz uma experiência fundamental: tem um IDH excelente, seu povo tem qualidade de vida. O Brasil, por outro lado, é a sétima economia do mundo, mas sofremos com a concentração de renda que deixa tantos brasileiros na miséria. No Pará, 30% da população sofre com a pobreza severa, apesar de sermos um estado riquíssimo em biodiversidade. Precisamos equacionar isso. O nosso maior interesse, como instituição, é desenvolver tecnologia a fim de agregar valor aos produtos da Amazônia e distribuir riqueza”, analisa o gestor agência, referência na inovação e produção de conhecimento na área de biodiversidade na Amazônia.
A palestra contou ainda com a participação dos pesquisadores Philippe Joseph, professor de botânica, ecologia e biogeografia na Universidade das Antilhas e Guiana, e Emmanuel Nossin, farmacêutico e etnofarmacólogo, que destacou a importância de investir em medicamentos criados a partir de insumos naturais. “Nos países do Caribe, o sistema de saúde não só admite como incentiva o uso de fitoterápicos, que causam menos efeitos colaterais, são eficientes e não poluem a natureza”, afirmou Nossin. Para ele, a busca por desvendar os princípios ativos da flora amazônica deve ser constante. “Não sabemos, por exemplo, se o açaí possui alguma propriedade eficiente no combate à AIDS ou ao câncer. A verdade é que a solução para muitos males está na floresta e podemos nos apoiar na cultura tradicional desses povos”, frisou.
Ao final do encontro, o presidente da Martinica e os pesquisadores expuseram o interesse de retomar um projeto de rede junto a estudiosos e empresários do Pará. “O interesse é mútuo. Em breve, enviaremos uma comitiva de pesquisadores da UFPA que, por meio da Universitec, irão realizar uma visita a universidades da Martinica, para que essa proximidade entre as regiões se efetive”, anunciou o reitor da UFPA, Carlos Maneschy.
Desafios globais – Para o presidente da Martinica, discutir sustentabilidade e desenvolvimento econômico é um imperativo para os governos modernos, sobretudo em territórios que concentram riquezas naturais, diante de debates globais como a questão energética e a concentração de renda. “Tal linha de política econômica é ao mesmo tempo promissora e urgente. Direcionar-se para a energia renovável, o desenvolvimento sustentável, para a exploração proporcionada da produção endógena são os únicos meios para criar nos países em desenvolvimento tanto uma ética como um crescimento econômico compartilhados pelo maior número de pessoas”, avalia Letchimy, que destaca ainda a urgência em se rever as bases éticas do desenvolvimento econômico dos países. “A mudança de perspectiva se faz urgente, porque o mundo está enfrentando mudanças que devem ser antecipadas o mais rápido possível, para evitar o caos climático e ecológico, necessariamente cultural e social conduzindo à fome, a violências climáticas, ao surgimento de fundamentalismos”.
Cooperação com o Pará – O evento integra a agenda de Letchimy no Pará, onde estará em visita até 18 de abril para assinar uma convenção de cooperação descentralizada entre o Pará e a Região da Martinica. A cooperação entre as regiões tem um caráter múltiplo e abarca setores como o desenvolvimento de energias renováveis, biodiversidade e nutrição animal; a transferência de tecnologia no campo da agroindústria e pecuária; a busca de sinergia em produtos farmacêuticos e na área da farmacopeia; o setor do turismo e da cultura.
Nesses segmentos, de acordo com Letchimy, o objetivo da cooperação é criar uma relação baseada em intercâmbios econômicos e comerciais, e estabelecer uma política de investimento comum junto ao Pará, usando o duplo posicionamento da Martinica: país do Caribe e espaço europeu. “Esta posição dupla oferece oportunidades excepcionais para a produção na Martinica, a partir do importação proveniente do Brasil e podendo ser exportado para o mercado europeu. Além disso, podemos compartilhar o nosso know-how em áreas como a carpintaria, energia renovável e farmacopeia, produtos exportáveis no Caribe e na América do Sul”, afirma.
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