Recém-formados ajudam empresas a inovar e se tornam saída para melhorar economia local

Atualizado em: 28/06/2017 às 08:12
Tempo de leitura: 4 minutos

Como se faz em dia de jogo de futebol, um grupo de colegas se reuniu, sentou à mesa, virou alguns copos e conferiu os smartphones, à espera de uma classificação. Era final de abril, num fast food que fica na Orla de Salvador, e os interioranos estavam dispostos a rir ou chorar juntos, ansiosos pelo ultimato de uma seleção iniciada em janeiro. Sessenta deles, no total, já haviam passado para a última fase, mas só 40 seguiram em campo, contratados até 2019.

Bolsistas selecionados e capacitados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), eles devem ajudar, até setembro, 1.600 pequenas empresas de oito regiões da Bahia a tentar superar desafios de crescimento, tornando-as mais competitivas por meio de ações inovadoras. No caminho, os recém-formados ganham musculatura empreendedora e não deixam que pequenos comércios, serviços e indústrias fechem as portas.

“Tenho aprendido que o universo empresarial tem suas especificidades e mesmo que minha formação em Psicologia me ajude a perceber pessoas, ler contextos e comportamentos, é fundamental essa separação entre as profissões”, avalia Laís Santos, 26 anos, graduada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Ela, assim como a professora de biologia Ediane Eduão, a advogada Clara Carvalho, o administrador Danilo Carvalho, o engenheiro florestal José Linhares e seus colegas com outras formações acadêmicas já não atendem necessariamente pelo título que consta no diploma de graduação. São, hoje, agentes locais de inovação (ALI), integrantes de um programa de mesmo nome, e têm a oportunidade de ajudar a terra natal ou aquela que escolheram para viver.

Cada agente, orientado por um consultor e um gestor do Sebrae, faz diagnósticos, propõe melhorias e acompanha o avanço de empresas de pequeno porte (EPP) por cerca de dois anos, sem cobrar nada por isso. O Programa ALI é fruto da parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que apoia a pesquisa no país, e deposita aos agentes uma bolsa mensal de R$ 4 mil.

O ALI acontece em todo o território nacional, desde 2010. De lá pra cá, 8.064 agentes estiveram em campo, atendendo 294.133 empresas, 7.075 negócios somente na Bahia. “Nosso último acordo firmado com o CNPq, em 17 de abril de 2017, tem seu prazo de vigência até 2021”, afirma Marcus Bezerra, gerente adjunto da Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do Sebrae Nacional.

A previsão, segundo ele, é de investimento de R$ 134.634.000,00 no referido período. Dentre os principais resultados do trabalho desses jovens recém-formados – a maioria do gênero feminino e oriunda de faculdades públicas -, destaca-se o aumento no faturamento de 35,3% dos empresários acompanhados e diminuição dos custos em 30,3% dos casos.

Novidade para todo mundo

O caminho da inovação é desafiador para as empresas – muitas ainda não resolveram questões básicas de gestão e sequer sabem por onde começar a inovar. Mas é igualmente inédito para os ALI, alguns sem experiência profissional em seus respectivos campos de atuação por estarem fora da universidade há, no máximo, dois anos.

“O jovem que sai da universidade é muito cobrado sobre as experiências profissionais, mas muitas vezes só participou de estágios dentro da instituição de ensino”, ressalta José Linhares, 27, com graduação pela UFRB. Para o engenheiro florestal, o programa promove a maturidade que o mercado exigiria dos recém-formados e ensina sobre empreendedorismo, algo que na visão dele nem todas as faculdades abordam.

O dia a dia dos agentes

Cada ALI deve acompanhar no mínimo de 40 EPP – faturamento anual de até R$ 3,6 milhões. Segundo o Sebrae, micro e pequenas empresas correspondem hoje a 27% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Daí a sua importância na economia e por que são o foco do trabalho dos agentes, considerando também as diferenças de segmentos.

“Para pequenas empresas (PEs) de software, programas de qualidade em software e de certificação, programas para que desenvolvam novos produtos a partir de novos conceitos, são adequados. Para PEs de serviços ou comercias a inovação pode se constituir em ensinar essas empresas a atuar em rede, comprar em conjunto, ter um site em conjunto para atender a demanda, etc.”, orienta Miguel Babic, que também é docente no Instituto de Economia da Unicamp.

O ALI do futuro

No mês passado, o Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (FORTEC) assinou um convênio de parceria com o Sebrae. Ambos diagnosticaram que a formação do ALI precisaria de complementação para incluir inovação de base tecnológica.

Atualmente, as melhorias incrementais ou radicais que os agentes propõem às empresas incluem ações simples na parte organizacional, nos processos, no marketing ou nos produtos, e não necessariamente envolvem tecnologia. Para Cristina Quintella, presidente do FORTEC e professora do Instituto de Química da UFBA, os “ALI do futuro” precisam ser capazes de identificar produtos e processos que possam aumentar o conteúdo tecnológico das empresas que eles atendem.

Passado, presente e futuro

Por serem beneficiados com uma bolsa, o vínculo dos agentes não lhes rende garantias trabalhistas, a exemplo de décimo terceiro e férias, tampouco têm acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Ainda assim, ganham quase o dobro do que um estudante de doutorado recebe, por exemplo, sem necessariamente possuírem qualquer certificado de pós-graduação.

Apesar disso, é comum que durante o programa os bolsistas busquem aperfeiçoamento por meio de cursos específicos, como é o caso de Felipe de Jesus, 24. O ex-agente, que atuou em Santo Antônio de Jesus até o ano passado, obteve dois títulos de especialista à época e, ao término da vigência da bolsa, engatou no mestrado.

A professora Ediane Eduão, 26, acredita que irá expandir as suas possibilidades de atuação profissional, a partir do ALI. “Tento enxergar o que eu vou conseguir depois e tento aproveitar esse tempo para buscar me aperfeiçoar. Eu já estou esquematizando meu futuro e vendo o que esses dois anos e meio vão me proporcionar”, confidencia a única agente em Irecê, que antes recebia um salário mínimo e complementava a renda vendendo itens de porta em porta. Com bom desempenho, ela comemora por manter a casa e criar o filho de 7 anos, sem sufoco.

Fonte: Correio

Leia também