Bill Gates curitibano? Conheça o investidor que toda startup quer como sócio

Atualizado em: 04/07/2017 às 10:47
Tempo de leitura: 9 minutos

Regra de ouro para velejadores iniciantes: se não tiver um indicador próprio para isso, amarre uma fita no topo do mastro do veleiro. Saber a direção do vento é condição sine qua non para
velejar. Desse ponto de vista é mais fácil entender por que este é um dos hobbys do ponta-grossense Marcel Malczewski, 52 anos, que não faz algo tão diferente na rotina de segunda a sexta em seu escritório no 22.º andar de um prédio moderno do Centro Cívico.

Enquanto aprecia a bela vista que escapa pelas janelas amplas, com a cidade praticamente a seus pés, ele comanda a M3 Investimentos, empresa que injeta dinheiro em um mercado promissor, que cresce exponencialmente no Paraná: o da tecnologia.

Malczewski observa com cautela para onde os ventos sopram. Seu trabalho é estratégico e, assumidamente, conservador. Compra participação nas empresas para depois revendê-la com lucro de até oito vezes o investimento inicial, botando um imenso sorriso em seu rosto e de quem mais estiver na embarcação.

E muita gente quer estar. Afinal, ele já esteve na ponta de cá. No final dos anos 1980, com o ex-sócio Wolney Betiol, lançou a Bematech, empresa que fabrica impressoras de cupons fiscais. Uma década depois, a empresa dominava quase metade do mercado nacional. Uma mina de ouro.

“A experiência que ele traz para nosso negócio vale mais do que o dinheiro”, me disse em outra oportunidade George Christofis Neto, CEO da Mercafácil, startup sob a tutela de Malczewski. É um papel quase de guru, como muitos no Vale do Silício. Para os jovens empreendedores daqui, ele é o cara que assina o cheque. Mas também a fita no topo do mastro.

Qual é o valor de um cheque de investimentos com a sua assinatura?

Em startups, o primeiro cheque que eu faço é entre R$ 250 mil e R$ 500 mil. Nunca menos, nem mais. Tem algumas em que eu já cheguei a colocar R$ 1 milhão em investimento, mas porque fiz follow on [jargão técnico para uma segunda rodada de investimentos]. Lá fora, em uma startup instalada no Vale do Silício, eu investi bem mais, US$ 2 milhões. Mas é um caso a parte: uma empesa que já fechou contrato com Google, recebeu dezenas de milhões de dólares em investimentos, está nos Estados Unidos, tem uma certa fama. Nas empresas do Growth [uma categoria que ele criou para englobar empresas de médio porte, com faturamento anual de mais de R$ 10 milhões] eu já investi de R$ 1 milhão a R$ 8 milhões.

Pretende ampliar essa faixa?

Estamos indo para a rua para captar um terceiro fundo, na linha Growth, com cheques de, pelo menos, R$ 10 milhões. Imagino que, com tais valores, deve ter gente batendo em sua porta o tempo todo… Direto, né, Fernanda [olhando para sua assistente, que acompanha a entrevista]! Se eu atender todo mundo eu não faço mais nada. É muita gente. Empresas de consultoria, fusões e aquisições, consultorias financeiras de recursos humanos. Tem ou investidores, que querem fazer investimentos em conjunto, já que eu sou muito especializado na área de tecnologia. Tem empreendedores, gente querendo me mostrar o projeto, o Powerpoint, o produto. Gente precisando de dinheiro. O que fazemos é peneirar. Minha equipe sabe o que eu olho ou não. O que interessa e o que não interessa. Isso te livra das furadas. Sentar numa mesa de reunião e ouvir um monte de bobagem é bem mais raro.

Quais modelos de negócio você ataca?

Eu comecei a investir em 2010. Em 2011, criei o primeiro fundo de investimento, em empresas médias. Só em 2013 para 2014 comecei a investir em startups. Montei aqui na M3 dois modelos de investimento. Um é o Growth e o outro o Venture, que é justamente para as startups. No Growth, os investimentos são pelo modelo de Fundo de Investimentos em Participações (FIP).

O que é um bom negócio?

Para uma empresa de tecnologia grande, Growth, que tem receita de alguns milhões, entro para dar uma acelerada e vender ali na frente com ganho. A expectativa é de multiplicar pelo menos cinco vezes o investimento inicial. Já para uma startup, a expectativa de multiplicar o dinheiro entre oito e dez vezes.

E isso em quanto tempo?

De 3 a 7 anos. A média é cinco anos. Tudo que você vender abaixo de cinco anos é porque conseguiu imprimir velocidade. Vender uma empresa em 3 anos é um belo negócio. Mas uma empresa pode ficar contigo até sete. Se eu percebo que vou demorar mais que isso, por melhor que pareça o negócio, crio uma barreira e considero não investir.

Como é seu portfólio hoje?

Eu tenho hoje quatro empresas dos fundos FIP. A menor delas deve faturar cerca de R$ 10 milhões neste ano; a maior, cerca de R$ 100 milhões. Em relação às startups, já vendi duas e continuo com nove, a maior parte daqui de Curitiba.

E o retorno foi esperado? Consegue exemplificar?

A Uppoints [empresa que desenvolveu uma inteligência artificial para analisar dados de varejo] foi um projeto que eu entrei em 2014, um dos primeiros que eu investi. É um desses projetos que eu olho com mais cuidado, pois eles ainda não tinham faturamento. Era uma boa ideia, mas um projeto de longo prazo de maturação e que exigia muitos recursos. Mas teve uma saída rápida. Em dois anos, vendi para a Whirlpool Embraco [braço brasileiro da indústria de eletrodomésticos] e vendi bem [ele não comenta os valores]. Outra saída de sucesso foi a Fbits [uma plataforma de comércio eletrônico] em que investi em 2011. Ela foi vendida recentemente para a Locaweb. Ainda não foi pago tudo, mas eu acredito que vou multiplicar por oito vezes o investimento inicial.

Apostar somente na ideia é algo fora de moda hoje? Digo no sentido de que os investimentos sempre parecem ir para quem já está no mercado e faturando…

Depois de 10 investimentos em startups, estou um pouco mais seletivo. Mas a primeira que eu investi, Rede Frete Fácil [de logística de transporte], era de um menino recém-saído da incubadora que tinha uma ideia e alguma coisa desenvolvida, mas ainda era bem embrionário. O projeto andou, já teve mais investimentos, um deles do Bradesco. Mas foi um risco muito grande. Foi uma aposta, de fato. Eu a conheci na incubadora da UTFPR. Depois do investimento e ele foi para Santa Catarina, pois é de lá. E está com boas perspectivas. Então hoje, o que eu faço: eu procuro investir em startups que já têm clientes. Se não estão faturando, pelo menos estão na iminência de começar a tirar pedido, emitir nota fiscal. O produto tem que estar pronto. A empresa deve estar no mercado tentando ou começando a vendê-lo. Tem de haver uma mínima equipe trabalhando.

Por quê?

Para reduzir riscos, basicamente. Quanto mais embrionário o projeto, mais risco você corre. Depois que você percebe que o projeto é bacana, é um produto diferenciado, é uma ideia boa e faz sentido, o que faz dar certo ou errado? É a entrega.

Se você não tem alguma coisa executada, o risco é muito grande. Se de um lado você tem oportunidade de ganhar mais dinheiro, afinal você entra com um cheque muitas vezes menor e uma participação maior, é um negócio embrionário, incipiente.

Mas com isso você não perde boas oportunidades?

Para não perder bons projetos, boas ideias, ainda que eu não vá investir de cara nelas, até ganharem tração, fiz uma parceria. Fui apresentado para o pessoal da Ace, uma aceleradora de São Paulo e uma das principais da América Latina. Eles tinham a ideia de colocar uma base no sul. Conversamos e criamos a Ace Sul. Hoje, quando recebo uma boa ideia, um bom projeto, mas que ainda está em uma fase muito embrionária para a M3 investir, encaminho para a aceleradora. Eles testam a ideia e, muitas vezes, eu acabo assumindo o compromisso de investir se o empreendimento passar pelo crivo. É como um laboratório.

Por que você relutou em investir em startups, ainda que tenha vindo de uma?

Os primeiros investimentos que fiz foram em empresas que já faturam, naquela modalidade de FIP. Eu não queria investir em startup porque achava muito arriscado. Eu já montei uma, sei a dor que dá fazer esse negócio dar certo. Eu só passei a olhar startups de tanta insistência de todo mundo, incluindo os empreendedores, que traziam ideias e pediam opinião. Comecei a perceber que o ambiente em Curitiba mudou muito nos últimos anos e realmente tem bons empreendedores e boas ideais na praça. Passei a ter coragem de investir em startups, mas antes era muito arredio.

E aí você mudou de ideia…

Três coisas me fizeram mudar de ideia. A primeira foi a insistência da comunidade. Eu comumente sou chamado para participar de painéis, fazer speech, fazer palestras. Em geral o pessoal costumava me apresentar assim: ‘o Marcel está agora investindo em startups’. É muito fashion, romântico, esse negócio de investir em startups. Eu tinha que abrir minha apresentação falando: ‘olha, pessoal, eu não invisto em startups; eu invisto em empresas de tecnologia, mas não startups’. Então insistência me fez pensar: ‘vou começar a olhar esse negócio de startups, pois o pessoal tá muito insistente’. O segundo aspecto é que por eu me expor, os empreendedores daqui começaram a me procurar. Um deles foi o George, do Mercafácil. Vários empreendedores de qualidade começaram a me procurar e eu comecei a perceber que aqui em Curitiba tem caras legais, bons empreendedores, que o nível mudou bastante e os projetos são bem interessantes. Eu comecei a me interessar por essas ideias. O terceiro aspecto foi que Curitiba, de alguma forma, ficou um pouco atrasada no desenvolvimento do ecossistema de startups. Você pega, por exemplo, Florianópolis, está muito avançada nesse negócio. Eu pesei também isso. Pensei: ‘puxa, está na hora de dar um empurrãozinho; aqui tem projetos bacanas, eu estou aqui’. É natural meu interesse em desenvolver o ecossistema local.

Te deixa à vontade esse papel de ‘guru’ de uma nova geração?

Sim, eu considerei o fato de ser uma pessoa conhecida no setor e a minha participação, a minha atividade dentro do investimento em startups faria com que o ecossistema ganhasse um pouco mais de tração. E é o que vem acontecendo. Talvez coincidência. Nos últimos três anos, o ecossistema de Curitiba está mudando rápido e, olha, acho que a gente tem uma infraestrutura muito boa, estava faltando talvez um empurrãozinho e agora vai.

A cidade tem capacidade de assumir um papel de ponta?

Acho que podemos. Vai depender um pouco dos agentes. A gente tem aí uma iniciativa nova da Agência Curitiba com a nova gestão. Conversamos com eles, eles vieram até aqui, batemos um papo bom. Eu coloquei qual que é minha visão, o que pode e o que deve ser feito para fazer com que esse ecossistema se desenvolva com mais velocidade. Tem também iniciativas como trazer para cá a Ace, que é a melhor incubadora do Brasil. Eles estão muito interessados no sul e Curitiba se tornou polo na região para eles. Tem o Júpiter, que é uma iniciativa bacana. As próprias incubadoras estão começando a entender que precisam imprimir um ritmo diferente na administração dos seus negócios. Acho que tudo está conspirando a nosso favor e a gente tem a condição de ganhar velocidade. A velocidade que a gente não teve nos últimos 10 anos, a gente tem a chance de tirar nos próximos cinco anos talvez.

Quais áreas costumam te interessar?

Estou olhando para projetos de IoT [sigla em inglês para Internet das Coisas, ou seja, todos os aparelhos e objeto que podem se conectar à rede], automação comercial, que é o meu setor de origem, inteligência de mercado, coisas que envolvem hardware. É uma abertura grande. Mas tem um sentido o investimento. Muita das coisas em que coloquei dinheiro, eu estava procurando. Eu não fui até a Já Entendi [plataforma de vídeos educacionais] para investir. Eu estava olhando para a área de educação. Olho e tenho uma tese, que é setorial, de tendência. A partir daí busco o que há disponível aqui. Não é puramente oportunista.

Mas se você tivesse que injetar uma grana hoje, onde seria?

Tem talvez três coisas em que estou pilhando bastante. Uma eu ainda não investi, mas vou ter que investir logo porque é uma tendência muito forte. Eu estou pedido projeto é agrotech [tecnologia agrícola]. O Brasil é o celeiro do mundo e o Paraná está no meio da geografia do PIB d agrobusiness. Faz todo sentido ter um hub ou um cluster na área de agrotech aqui no Paraná. Eu tenho estimulado muito as incubadoras, Sebrae e por onde passo para olharem o setor. Além disso, IoT e Big Data me interessam.

Você começou em uma era pré-internet, onde a informação chegava com mais dificuldade. É mais fácil ser um empreendedor hoje?

O volume de informação disponível hoje é rápido e enorme. Nesse sentido mudou, está melhor. You just have to google it. É só ir no Google que você consegue os contatos, uma rede de relacionamentos, rem LinkedIn. Tem vantagens e desvantagens do ponto de vista de análise da informação, de realmente se aprofundar. Na minha época, eu usava muitas referências bibliográficas. Eu lia bastante. Sempre estava com um ou dois livros embaixo do braço. Isso fez com que a informação que eu obtinha fosse um pouco mais genérica, mas talvez com um pouco mais de qualidade.

Por que você trocou de lado?

Quando me aposentei da Bematech, em 2009, deixei a função de principal executivo. Foi uma saída planejada, eu estava um pouco cansado e queria basicamente três coisas. A primeira era continuar ajudando a empresa, mas não na operação e, sim, na estratégia, no conselho de administração. A segunda coisa era ter um pouco mais de lazer, acompanhar mais a minha família. Ao longo do desenvolvimento da empresa foi muito difícil, eu viajava muito, era foco total no empreendimento. Quando minha primeira filha nasceu, em 1992, já existia a Bematech; quando o segundo nasceu, em 1997, estava no auge. Eu fui um pai bastante ausente e queria cobrir um pouco dessa falha em casa. O terceiro aspecto foi investir em outras coisas. Na Bematech, como CEO, eu não tinha tempo. Então eu sabia que tinha que sair da função executiva. Foi isso que eu fiz. Comecei a ter mais de lazer, acompanhar os filhos e virei presidente do conselho da empresa até que a M3 decolou.

Fonte: Gazeta do Povo

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